sábado, dezembro 17, 2011

RECLAMAÇÃO CONTRA OS CAULINOS

RECLAMAÇÃO
(Em sede do direito de audição)

- Assunto: Requerimento de José Aldeia Lagoa & Filhos, S.A., para atribuição de direitos de prospecção e pesquisa de depósitos minerais de caulinos, numa área “Palhaça”, conforme Aviso n.º 22177/2011 publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 126, de 10 de Novembro de 2011.
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No seguimento de consulta do documento intitulado “Condicionantes legais impostas às actividades de prospecção, pesquisa e exploração de depósitos minerais”, preparado por António José Correia Gomes, (Chefe de Divisão de Regulação, Contratação e Cadastro na Direcção de Serviços de Minas e Pedreiras da Direcção-Geral de Energia e Geologia) e de acordo com o DL n.º 90/90 de 16 de Março, ficámos a conhecer o procedimento correcto a ser instruído para atribuição de direitos de prospecção, o qual passa a transcrever-se:
“….
6. Instrução dos pedidos de atribuição de direitos de prospecção e pesquisa:
Na Proposta Contratual a ser entregue na DGEG, deve constar:
Requerimento inicial contendo a identificação do interessado e seu endereço, a delimitação da área pretendida e indicação das substâncias minerais a prospectar, acompanhado dos seguintes elementos a considerar em memória descritiva:
1. Implantação da poligonal que delimita a área pretendida em extracto de carta na escala adequada (por ex. 1:25 000, 1:50 000, 1:200 000, etc.) e respectivas coordenadas Hayford-Gauss, DATUM 73, (Melriça). A área a prospectar não poderá, salvo casos excepcionais, ser superior a 1.000 km2.
2. Plano geral dos trabalhos mínimos de prospecção e pesquisa a realizar fundamentado no conhecimento geológico da área, com indicação do volume de investimento mínimo previsto despender, os meios de financiamento e período de duração previsível, que não deverá exceder 5 anos.
3. Elementos comprovativos de que o requerente dispõe de idoneidade e capacidade financeira.
a) Para Entidades Individuais: carta de instituição financeira demonstrativa de que o requerente desfruta de suficiente crédito bancário para garantir que o montante de investimento mínimo proposto a afectar à realização do contrato está assegurado;
b) Para Entidades Colectivas (empresas): contabilidade auditada ou um relatório anual. Se não estiverem disponíveis pode ser carta de instituição financeira à semelhança das entidades individuais.
4. Elementos comprovativos sobre a idoneidade e capacidade técnica do requerente:
Detalhes sobre consultoria técnica disponível incluindo a nomeação do Técnico Responsável pela supervisão das operações de prospecção e pela preparação dos relatórios exigidos pelo contrato. Devem ser fornecidas as qualificações profissionais (curriculum vitae) do Técnico Responsável.
5. Medidas detalhadas a serem usadas para protecção do ambiente:
• Caracterização dos descritores 'Flora', 'Fauna' e 'Habitats', ocorrentes
• Esquemas de sondagens e trincheiras a realizar, antes e após a realização dos trabalhos
• Metodologia a usar para garantir o cumprimento das obrigações expressas no nº 3 do artigo 33º do Decreto-Lei nº 90/90, após a desocupação do terreno para realizar trabalhos de prospecção e pesquisa:
▪ Remoção de instalações e construções, bem como o adequado tratamento de detritos produzidos;
▪ Recuperação ambiental possível da área, nela se incluindo, sendo caso disso, a reconstituição do solo e do coberto vegetal.

RAZÕES PARA O INDEFERIMENTO

Da consulta pessoal do processo em epígrafe, feita no dia 22/11/2011 nas instalações da Direcção Geral de Energia e Geologia em Lisboa pelo Presidente da Direcção da Associação Ambientalista Chão Verde, Eng.º Fernando Silva, constata-se que o procedimento legal acima descrito não foi cumprido.
Assim sendo e liminarmente, somos do parecer que o referido pedido deve ser indeferido.

FUNDAMENTOS:
A) VIOLAÇÃO DE NORMAS LEGAIS

1º - Não cumprimento da al. c) do n.º 1 do Art.º 5º do D.L. 88/90, de 16 de Março:
Este diploma exige a entrega obrigatória do “plano geral de trabalhos a executar”, mas no caso do pedido em epígrafe o plano apresentado limita-se a mencionar uma série de relatórios a obter, sem especificar os meios técnicos, mecânicos, humanos e demais que pretende utilizar, bem como não é especificado o prazo de conclusão para os trabalhos, nem os meios de financiamento (de acordo com o trabalho acima de António José Correia Gomes).

2º - Não cumprimento da al. e) do n.º 1 do Art.º 5º do D.L. 88/90 de 16 Março:
Da consulta do processo, constatou-se que não foi feita a entrega de todos os “elementos comprovativos de que o requerente dispõe de idoneidade e capacidade técnica e financeira”.
De acordo com o trabalho acima de António José Correia Gomes esses elementos devem incluir “contabilidade auditada ou um relatório anual. Se não estiverem disponíveis pode ser carta de instituição financeira à semelhança das entidades individuais.”
Ainda de acordo com o mesmo trabalho, os elementos comprovativos de idoneidade e capacidade técnica deveriam ter sido:
4. Elementos comprovativos sobre a idoneidade e capacidade técnica do requerente: Detalhes sobre consultoria técnica disponível incluindo a nomeação do Técnico Responsável pela supervisão das operações de prospecção e pela preparação dos relatórios exigidos pelo contrato. Devem ser fornecidas as qualificações profissionais (curriculum vitae) do Técnico Responsável.”,

3º - Não cumprimento, nomeadamente, do disposto nos art.ºs 20º, n.º 1, d) e 26º, ambos do DL 270/2001, de 6 de Outubro, na redacção conferida pelo DL 340/2007, de 12 de Outubro e, ainda, no art.º 12º do DL 90/90:
De acordo com os elementos que o mesmo técnico indica, têm ainda de ser entregues para tal cumprimento:
“…
5. Medidas detalhadas a serem usadas para protecção do ambiente:
• Caracterização dos descritores 'Flora', 'Fauna' e 'Habitats', ocorrentes
• Esquemas de sondagens e trincheiras a realizar, antes e após a realização dos trabalhos
• Metodologia a usar para garantir o cumprimento das obrigações expressas no nº 3 do artigo 33º do Decreto-Lei nº 90/90, após a desocupação do terreno para realizar trabalhos de prospecção e pesquisa:
▪ Remoção de instalações e construções, bem como o adequado tratamento de detritos produzidos;
▪ Recuperação ambiental possível da área, nela se incluindo, sendo caso disso, a reconstituição do solo e do coberto vegetal.

4º - Não cumprimento do PDM de Oliveira do Bairro:
A área indicada de 8,023 km2 inclui várias manchas de Reserva Ecológica e Reserva Agrícola, que não permite trabalhos de escavação, destruição do coberto vegetal ou movimentação de terras sem a prévia autorização ou desafectação.
Também dentro dessa mesma área existem:
- Corredores a respeitar;
- Zonas urbanas consolidadas que exigem restrições no que refere a afastamentos e outros;
- Linhas de água, nomeadamente o vale do Rio Novo, que desagua na Pateira de Fermentelos e, consequentemente, na Ria de Aveiro, zona de Protecção Natural e Rede Natura;
- Nascentes de água, tipicamente usadas pelas populações locais para abastecimento de água para consumo humano. Estas nascentes, na forma de fontenários, são mantidas pelas Juntas de Freguesia, sendo que o Município de Oliveira do Bairro procede à análise dessas águas para acautelar eventuais contaminações. Essas fontes têm sido usadas há vários séculos pelas populações.
- Existe também dentro desta vasta área reconhecido património arqueológico.
Por força de todos estes constrangimentos, um pedido para a área de 8,023 km2 - equivalente a cerca de 10% da área total do Município de Oliveira do Bairro - deve ser INDEFERIDO.
Caso a empresa requerente assim o entenda, um novo pedido teria sempre que se limitar a áreas bastante mais reduzidas e que tenham tido o PDM do concelho em consideração, tal como António José Correia Gomes indica no seu trabalho e que se transcreve:
“NOTA: É conveniente que, previamente à apresentação dos pedidos, os interessados se inteirem das restrições e condicionamentos constantes dos instrumentos publicados de ordenamento do território (planos directores municipais, planos regionais de ordenamento do território, Reserva Ecológica Nacional, Parques Naturais e Áreas Protegidas etc.).”
É também de salientar que no actual PDM do concelho de Oliveira do Bairro existe já uma significante área cativa para exploração de inertes.
Caso este pedido de prospecção viesse a traduzir-se em área de exploração, teríamos cerca de 15% da área do concelho afecta a explorações mineiras, o que seria inaceitável numa perspectiva de garantir condições de qualidade de vida aceitáveis para a população.
Lembramos aqui e agora que, em sede de prospecção da exploração de inertes, os concessionários gozam de direitos que restringem e coarctam os direitos dos particulares.
A este propósito, estabelece o art.º 23º do citado DL 90/90 (sublinhados nossos:
1 - Os concessionários terão, nomeadamente, os seguintes direitos:
e) O de requerer a expropriação por utilidade pública e urgente dos terrenos necessários à realização dos trabalhos e à implantação dos respectivos anexos, ainda que fora da área demarcada, ficando os mesmos afectos à concessão;
f) O de obter a constituição a seu favor por acto administrativo das servidões necessárias à exploração dos recursos;
g) O de preferir na venda ou dação em cumprimento de prédio rústico ou urbano existente na área demarcada, desde que a aquisição dessa propriedade se mostre indispensável à exploração e não exista sobre o imóvel outro direito de preferência decorrente da lei.

5º - Não cumprimento do Art.º 6º do D.L. 88/90 de 16 de Março:
Da consulta do processo nas instalações da DGEG, não se constata que a requerente tenha prestado a caução aí prevista antes da publicação do Aviso no Diário da República.

B) CAUÇÃO

Da extracção de inertes das outras explorações do Concelho, a Câmara Municipal e o Ministério da Economia, entidades responsáveis pelo seu licenciamento, não têm conseguido assegurar que a legislação seja cumprida no que se refere à recuperação ambiental prevista na fase pós-exploração.
Assim, temos vastas áreas de exploração abandonadas acarretando graves riscos de segurança para a população e, ao mesmo tempo, um lembrança constante da violação de legislação que à partida os agentes económicos envolvidos se haviam comprometido a cumprir.
Por força dessa experiência, caso venha a ser permitida qualquer exploração pela via de concessão, deverá ser assegurada a apresentação por parte da empresa de uma caução a favor das Juntas de Freguesia que permita que estas assegurem a recuperação paisagística das zonas exploradas no caso de incumprimento por parte das entidades adjudicatárias. Os projectos de recuperação seriam também custeados pelas empresas exploradoras ainda que os mesmos sejam encomendados pelas Juntas de Freguesia.

C) TAXAS

Durante a consulta do processo, verificámos que a empresa se propõe fazer um “ESTUDO DE MERCADO E ANÁLISE DE VIABILIDADE DA POTENCIAL EXPLORAÇÃO”.
Para ajudar tal exercício, deverá também a empresa ser informada de que existem taxas de extracção de inertes aprovadas pela Assembleia Municipal de Oliveira do Bairro em 1999 e de que as mesmas deverão ser tidas em conta aquando dessa análise de viabilidade.
De referir que as taxas para caulinos não têm ainda valor aprovado em Assembleia, por se tratar dum novo minério existente no Concelho que não foi considerado na altura.
Mas espera-se que a Assembleia Municipal se pronuncie sobre a matéria e que considere um valor bastante mais elevado do que aquele estipulado para o barro vermelho para a cerâmica estrutural.

D) AREIAS

Associado à exploração de caulinos existe normalmente a exploração de areias, que na grande maioria dos casos representa 85% de todo o minério explorado. Ora, não sendo a areia objecto de concessão tal como previsto na legislação, deverá a empresa ser notificada no sentido de que a separação do caulino terá que ser feita no local de extracção, para que, assim, as areias não sejam retiradas dos locais de extracção, solução que permitirá reduzir o impacto ambiental da exploração do caulino e, ao mesmo tempo, facilitar a recuperação das áreas exploradas.
UMA EVENTUAL CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO DEVERÁ INCIDIR APENAS SOBRE O CAULINO. (Alínea a) do n.º 3 do Artigo 1º do DL 90/90 de 16 de Março e artigo 2º do mesmo diploma, conjugado com o Artigo 3º do DL 88/90 de 16 de Março).

E) CONCURSOS

Embora tratando-se duma faculdade, certo é que o Estado ignorou um procedimento cautelar do qual só teria a colher benefícios e mais garantias, quer de cumprimento por parte dos interessados, quer de transparência dos actos públicos.
Faculdade que era a de se socorrer de concurso público, em vez de se limitar a dar seguimento a uma proposta dum interessado.
Na verdade, estipula o art.º 13º do DL 90/90:
“…
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, pode o Estado, através dos órgãos e serviços competentes, formular convite para apresentação de propostas destinadas à atribuição de direitos de prospecção e pesquisa, através de concurso público ou limitado, em áreas e para recursos que definirá caso a caso.
Por seu lado, diz o art.º 7 do DL 88/90, de 16/3:
1 - O Ministro, sob proposta da Direcção-Geral e independentemente da apresentação de requerimento por qualquer interessado, pode determinar a formulação de convite para a apresentação de propostas de actividades de prospecção e pesquisa, em área e para recursos definidos, através de concurso público ou limitado.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, será publicado aviso no Diário da República, num jornal da sede do município onde se situa a área em causa e em dois jornais de grande circulação, sendo um de Lisboa e outro do Porto, nele se fixando prazo para a apresentação de propostas e eventuais reclamações.
Não tendo usado da faculdade conferida pela lei, é legítimo inferir que o Ministério da Economia, ainda que involuntariamente, pode estar a favorecer um grupo económico (Grupo Lagoa), do qual a sociedade requerente faz parte, sendo que esta, por sua vez, detém capital numa outra empresa (UNIPASTA) onde o Ministério da Economia, através da INOVCAPITAL, é também accionista.
Assim e além do mais já referido, pode dizer-se que o Ministério está a dar uma concessão a uma empresa onde detém interesses directos ou indirectos, por si ou por interposta entidade.
Assim e em
CONCLUSÃO:

I – Não foram cumpridos os procedimentos administrativos impostos nas alíneas c) e e), do n.º 1 do art.º 5º do D.L. 88/90, de 16 de Março e, ainda, nos art.ºs 20º, n.º 1, d) e 26º, ambos do DL 270/2001, de 6 de Outubro, na redacção conferida pelo DL 340/2007, de 12 de Outubro e, ainda, no art.º 12º do DL 90/90, razões suficientes para o indeferimento liminar da requerida pretensão.
II - Embora se trate duma faculdade prevista na lei, parece-nos da mais elementar justiça e equidade que, sobretudo numa altura de crise no tecido empresarial como aquela que o país atravessa, e tendo em consideração que há várias empresas portuguesas concorrentes com a José Aldeia Lagoa & Filhos no que se refere ao fornecimento de caulino, bem como outras empresas estrangeiras também a operar em Portugal, o Ministério da Economia deveria tentar obter as melhores condições possíveis entre aqueles que se propõem explorar um recurso que é de todos, em conformidade com o que dispõem os art.ºs 13º do DL 90/90 e 7º, este do DL 88/90.
Consideramos igualmente que um concurso dessa natureza deveria ser sempre o instrumento adequado para se chegar a uma eventual concessão de exploração, aqui ou em qualquer outro local do país.
III - Para além disso, parece-nos que o Ministério da Economia deveria abrir esse concurso público por razões de transparência dos actos públicos, para evitar condições propícias ao favorecimento de uns em detrimento de outros e até de corrupção.

Termos em que a presente audição / reclamação deve ser atendida.
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Bustos, Oliveira do Bairro, 8 de Dezembro de 2011
A Mesa da AG da Associação Ambientalista Chão Verde,