segunda-feira, janeiro 14, 2008

Não há guita pra gaitas

crónicasdaterra.com


Palavra d’honra que ainda hoje me sinto batuque, depois daquele concerto dos Gaiteiros de Lisboa, na Sexta-Feira, promovido pela Câmara Municipal de Águeda e pela d’Orfeu. Corpo a gingar, mãos a espancar o ar, pés em sapateado e o Macaréu dos Gaiteiros de Lisboa a rufar no meu leitor de CDs. Anda uma pessoa a ficar à nora com assaltos a tudo quanto é nosso, a ver o país honesto ficar roxo de espanto e fúria, a ver o país larápio a passear-se de cabeça levantada, a ver as gentes a comerem e calarem neste país pobrete e nada alegrete de O’Neill, à espera que um D. Sebastião europeu nos tire do buraco, e uma gente daquelas põe-nos a dançar e a esconjurar o medo. No final, no hall do S. Pedro, ainda o pé me remexia, e o público se recompunha antes de entrar no frio, espantava-se um fulano, homem dos seus trinta e poucos, melena a assombrar-lhe as duas vistas:
– Olha que até pessoal já mais entrado esteve cá!
Só lhe faltou achar que essa malta tinha de ficar em casa a desfiar novelas e a desmemomemomemoriar-se! Fiz de conta que a boca não era comigo e escondi a minha carteira de madame.
Eh, Gaiteiros dum raio! A cantar as lenga-lengas que a minha mãe recitava, a trovejá-las em bombos e a soprá-las em gaitas e tubos de construção. É por isso que um cavalheiro de fato, perguntou, estupefacto:
– Isto é que é uma gaita?
ao que um rapazola de bigode assomadiço, vozeirão entremeado, lhe atirou sem um pingo de respeito,
– Não há guita pra gaitas.
Porque é que os Presidentes da República não fazem umas viagens presidenciais à Excelência dos Artistas? À Excelência dos Gaiteiros de Lisboa e de outros, que não passeiam na rádio nem na têvê. Não confundir com outras Excelências! A dos gigantones que passeiam a importância e o papelão.
Eles produzem, inventam, recriam aqui mesmo. Não trazem da Cochinchina, não precisam de assessores nem de ar condicionado. Eles são a festa deste país deprimido, deste país relativo. Obrigada, O’Neill!